Febre amarela: a culpa é de quem?
Publicado em 14 de Fevereiro de 2017
Sobre a febre a amarela, tem sido ventilado que os mosquitos são os vilões da história. Mas no caso desse surto de febre amarela silvestre não é bem assim, os vilões são o vírus (o patógeno) e o homem (que alterou o ambiente natural da vida silvestre).
A febre amarela é uma doença infecciosa grave causada por um vírus, que ocorre nas Américas do Sul e Central, além de alguns países da África. Acomete principalmente os primatas e é transmitido por alguns tipos de mosquitos, na área urbana e na área rural. Sua origem é provavelmente africana, chegou às Américas pelo tráfico de escravos, e se espalhou na floresta tropical americana através de mosquitos silvestres. Na área urbana, o vírus é transmitido pelo temido Aedes aegypti, um mosquito também proveniente da África. Mas no Brasil, desde 1942, não tem registro da circulação urbana do vírus (mas é preciso tomar cuidado para que não volte).
Nas florestas das Américas, quem transmite o vírus são os mosquitos silvestres dos gêneros Haemagogus e Sabethes. Os mosquitos, quando contaminados, transmitem o vírus principalmente para os macacos e acidentalmente para as pessoas do campo, que estão em contato com a floresta. Esses mosquitos dependem das florestas para sua manutenção, se reproduzem em ocos e cascas de árvores e se alimentam do sangue de animais, principalmente dos primatas nas copas das árvores. Assim como as outras espécies silvestres, esses mosquitos também possuem seu papel ecológico nos ambientes naturais, ainda que exista controvérsia sobre se esse papel é indispensável. Entretanto, é importante ressaltar que esses mosquitos da floresta não são vilões, porque assim como as pessoas leigas e desinformadas partem para combater a febre amarela tentando matar os macacos, tentam matar também os mosquitos da pior forma, ateando fogo nas florestas e/ou jogando veneno.
A medida mais importante para prevenir e controlar a febre amarela é a vacinação da população. Os seres humanos são mais resistentes ao vírus (foi o homem quem introduziu o vírus nas Américas), podem funcionar como reservatórios resistentes, aumentando a circulação do vírus entre regiões e ambientes silvestres, e podendo até levar o vírus ao ambiente urbano novamente.
Nos macacos, este o surto de febre amarela de fato é uma tragédia. Os macacos são vulneráveis ao vírus, e a quantidade de mortes e a velocidade com que isso tem acontecido é preocupante. Nesta situação, das duas uma, ou sobrarão os macacos mais resistentes ao vírus ou restarão os vírus menos virulentos na região (pois o vírus também depende do hospedeiro para a sua manutenção, e aquele vírus que mata deixa de se reproduzir no macaco morto). Entretanto, como as populações e grupos de primatas são pequenas e fragmentadas (ameaçadas de extinção), infelizmente, é esperado como consequência muitas extinções locais. Vacinar as pessoas na área de risco, principalmente aquelas que estão em contato com a floresta, é uma medida preventiva que protege a população humana, mas que também pode reduzir a circulação e a transmissão do vírus para os primatas.
Vale destacar que a Organização Pan-Americana da Saúde lançou um alerta epidemiológico para todas as Américas. No Brasil, o surto não está restrito à Bacia do Rio Doce, em Minas Gerais e Espírito Santo, como se tem ventilado. Acontece que há muitos anos a febre amarela está avançando para o leste de Minas Gerais, Espírito Santo e sul da Bahia, áreas consideradas de risco potencial para a doença. O problema é que o vírus chegou e encontrou a população não imunizada na região e rapidamente se espalhou.
A solução para prevenir e controlar a febre amarela é vacinar as pessoas!
Texto: Aureo Banhos, professor da Ufes/Campus Alegre, Pesquisador da Rede Ufes-Rio Doce
Fotos: Leonardo Merçon, Últimos Refúgios (fotos: macaco bugio com filhote e incêndio florestal na Rebio de Sooretama); Francisco Felipe Xavier-Filho, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (foto: mosquito Sabethes).